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Reajuste dos planos de saúde: aspectos regulatórios e impactos na relação de consumo

1. Introdução

O reajuste das mensalidades dos planos de saúde é um tema central na saúde suplementar, afetando tanto consumidores quanto operadoras. Embora a revisão periódica dos valores seja essencial para manter o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos, os critérios adotados nem sempre são claros, levantando questionamentos sobre sua legalidade e transparência.

Um levantamento do Procon-SP revelou que, nos planos coletivos, a maioria dos reajustes supera significativamente os índices estabelecidos pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), sem justificativa clara para os consumidores [1]. Esse cenário tem impulsionado um aumento expressivo de ações judiciais questionando a metodologia utilizada pelas operadoras.

A regulação do tema envolve a ANS, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) e uma jurisprudência consolidada nos tribunais brasileiros. Mas você sabe quais são as diferenças entre os tipos de planos, os reajustes aplicáveis e as principais disputas levadas à Justiça?

2. Modalidades de planos

Nos planos individuais e familiares, a contratação ocorre diretamente entre o consumidor e a operadora de saúde, sendo submetida a uma regulação mais rígida pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Embora garanta maior previsibilidade e controle sobre os aumentos, oferecendo mais proteção ao consumidor, esses planos são pouco comercializados pelas operadoras de planos de saúde, com recorrentes por isso considerados raros e caros [2]. De acordo com o portal de notícias UOL, em dezembro de 2013 eram disponibilizados, em média, 203 planos individuais e familiares por município, enquanto em junho de 2023 havia apenas 18 planos, uma queda de aproximadamente 90% (noventa por cento) [3]. Essa situação, inclusive, levou à propositura do Projeto de Lei n.º 1.174/2024, atualmente em trâmite no Senado Federal, que visa obrigar as operadoras a disponibilizarem planos individuais no mercado [4].

Por outro lado, os planos coletivos e empresariais são contratados por meio de uma pessoa jurídica, como empresas ou associações profissionais, e possuem maior flexibilidade na negociação dos reajustes. Nesses casos, os percentuais de aumento não são regulados pela ANS, ficando a cargo da negociação entre a operadora e a administradora de benefícios, sem a participação direta dos consumidores individuais. Embora, no momento da contratação, o preço das mensalidades sejam mais atraentes, a liberdade contratual pode resultar em reajustes mais elevados, menos previsíveis e muito acima da inflação do setor. Nesse contexto, o artigo 6º, inciso III, do Código de Defesa do Consumidor desempenha um papel fundamental ao impor às operadoras o dever de fornecer informações claras e precisas aos consumidores. Quando essas empresas deixam de apresentar os cálculos atuariais que justificam os reajustes, pode haver indícios de prática abusiva, conforme estabelece o artigo 39, inciso V, do CDC, provocando a nulidade do aumento aplicado.

Os Tribunais brasileiros, em diversas oportunidades, têm reafirmado que reajustes abusivos devem ser declarados nulos e revisados judicialmente [5], reforçando a necessidade de maior transparência e equilíbrio na aplicação desses aumentos.​

3. Tipos de reajustes aplicáveis

 Anual

 

O reajuste anual das mensalidades tem como objetivo equilibrar as receitas das operadoras em relação aos custos assistenciais. Nos planos individuais e familiares, esse reajuste é regulamentado e limitado pela ANS, que estabelece um teto anual para o percentual de aumento com base na Variação do Custo Médico-Hospitalar (VCMH) e na inflação setorial. Já nos planos coletivos, o reajuste é definido por negociação entre a operadora e a administradora do benefício, sem um limite pré-estabelecido.

 Faixa etária

O reajuste por faixa etária ocorre quando o beneficiário atinge determinada idade, alterando o patamar de risco previsto no contrato. A Lei dos Planos de Saúde (Lei n.º 9.656/1998) prevê a possibilidade desse reajuste, desde que esteja estipulado no contrato e observe os limites da Resolução Normativa n.º 63/2003 da ANS. O Superior Tribunal de Justiça fixou tese determinando que o aumento deve ser justificado atuarialmente, não podendo onerar excessivamente os consumidores idosos.

Sinistralidade

Nos planos coletivos, há a possibilidade de aplicação de reajustes por sinistralidade, ou seja, com base na frequência e no custo dos serviços utilizados pelos beneficiários do grupo.

A título de exemplo, pelo gráfico abaixo, é possível verificar a variação dos índices estabelecidos pela Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS entre os anos 2000 e 2024 [6]:

Analisando a evolução dos preços, o Instituto de Defesa do Consumidor – Idec divulgou estudo onde concluído que enquanto os planos de saúde individuais aumentaram 74,62% entre 2015 e 2022, no mesmo período, os planos coletivos tiveram um aumento médio de 148%, ou seja, praticamente o dobro do valor originário [7].

4. Judicialização do tema

A crescente judicialização do tema tem levado os tribunais a exigirem maior transparência das operadoras. O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial n.º 1.568.244/RJ, ao fixar o tema 952, estabeleceu que os reajustes devem ser fundamentados por cálculos atuariais e não podem impor ônus excessivo aos consumidores [8]. A Corte Superior, nesse julgamento, disciplinou que o reajuste será “adequado e razoável sempre que o percentual de majoração for justificado atuarialmente, a permitir a continuidade contratual tanto de jovens quanto de idosos, bem como a sobrevivência do próprio fundo mútuo e da operadora, que visa comumente o lucro, o qual não pode ser predatório, haja vista a natureza da atividade econômica explorada: serviço público impróprio ou atividade privada regulamentada, complementar, no caso, ao Serviço Único de Saúde (SUS), de responsabilidade do Estado”.

Em diversos casos, reajustes anuais e por sinistralidade têm sido anulados justamente por falta de fundamentação técnica, conforme apurado pelo PROCON-SP [9], substituindo-se, na maioria dos casos, os reajustes praticados pelas operadoras pelos índices estabelecidos pela ANS.

6. Conclusão

O reajuste dos planos de saúde é um mecanismo essencial para a sustentabilidade do setor, mas deve ser aplicado de forma transparente e dentro dos limites legais. O controle regulatório desempenha um papel fundamental na proteção dos consumidores contra aumentos arbitrários, especialmente em contratos coletivos, onde há maior margem para negociações desequilibradas.

A judicialização da questão tem demonstrado que a ausência de justificativas claras e a falta de transparência podem levar à nulidade de reajustes excessivos, reforçando a necessidade de maior controle sobre esses aumentos.

 

Bibliografia

[1] PROCON-SP. Ação Civil Pública contra Planos de Saúde. Disponível em: www.procon.sp.gov.br. Acesso em: 17 fev. 2025.


[2] O Globo. Plano de saúde individual: mais raro e mais caro. Disponível em: https://oglobo.globo.com/economia/defesa-do-consumidor/plano-de-saude-individual-mais-raro-caro-15848792. Acesso em: 18 fev. 2025.

[3] Portal de Notícias UOL. Por reajuste maior, operadoras de saúde cortam 90% dos planos familiares. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/redacao/2024/02/22/planos-de-saude-operadoras-reajuste-individuais-coletivos.htm. Acesso em: 18 fev. 2025.

[4] Senado Federal. Operadoras poderão ser obrigadas a oferecer planos de saúde individuais. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2024/06/21/operadoras-poderao-ser-obrigadas-a-oferecer-planos-de-saude-individuais#:~:text=Como%20as%20grandes%20seguradoras%20de,nos%20chamados%20planos%20de%20ades%C3%A3o. Acesso em: 18 fev. 2025.

[5] SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Recurso Especial n.º 1.568.244/RJ. Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Segunda Seção, j. 14.12.2016.

[6] ANS. Histórico de reajustes deferidos pela ANS aos planos individuais. Disponível em: https://www.gov.br/ans/pt-br/assuntos/noticias/beneficiario/ans-limita-a-6-91-o-reajuste-dos-planos-individuais-e-familiares. Acesso em: 18 fev. 2025.
 

[7] IDEC. Reajustes dos planos de saúde coletivos mais do que dobram em relação aos individuais, revela pesquisa do Idec. Disponível em: Acesso em: 18 fev. 2025.

[8] SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Op. Cit.

[9] PROCON-SP. Op. Cit.

© 2025 por Marcus Andrade Sociedade de Advogados.

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