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Previdência Privada e herança: STF exclui ITCMD sobre VGBL e PGBL e abre caminho para restituição

 

1. Introdução

Os valores acumulados em planos de previdência privada devem ser considerados herança e, portanto, sujeitos à tributação pelo ITCMD? Essa questão, por anos, foi amplamente debatida nos tribunais brasileiros e, recentemente, recebeu um desfecho definitivo. Em dezembro de 2024 [1], o Supremo Tribunal Federal decidiu que a cobrança do ITCMD sobre valores e direitos transferidos aos beneficiários dos planos Vida Gerador de Benefício Livre (VGBL) e Plano Gerador de Benefício Livre (PGBL) é inconstitucional.

2. O que é VGBL e PGBL?

Os planos VGBL e PGBL são modalidades de previdência complementar privada destinadas a garantir renda futura ao segurado. O VGBL, classificado pela Superintendência de Seguros Privados (SUSEP) como seguro de pessoa, e o PGBL, como previdência complementar aberta, funcionam a partir da acumulação de aportes realizados pelo titular, seguidos pelo resgate dos valores, que pode ocorrer de forma parcelada ou em pagamento único [2]. Em caso de falecimento do titular, é possível escolher beneficiários para receberem os recursos acumulados. No entanto, as Fazendas Públicas estaduais vinham reiteradamente exigindo o ITCMD sobre esses valores, sob o argumento de que deveriam integrar o acervo hereditário do falecido, o que levou à judicialização do tema.

3. A incidência do ITCMD sobre a previdência privada

Essa questão era objeto de intenso debate no Superior Tribunal de Justiça. Enquanto as turmas de direito público, responsáveis pelo julgamento das questões tributárias, entendiam que os valores de VGBL e PGBL não deveriam compor o inventário, pois possuíam natureza securitária e, portanto, não configuravam herança tributável [3], as turmas de direito privado, que analisam as causas relacionadas à família e sucessões, em sua maioria, sustentavam que esses planos tinham natureza multifacetada, ou seja, híbrida, podendo funcionar tanto como investimento, como previdência. Nessa linha, compreendiam que na fase de acumulação, deveria ser considerado investimento, assumindo caráter previdenciário apenas quando os benefícios fossem recebidos pelo titular [4]. Diante dessa divergência, em 2000, o STJ submeteu a matéria à Corte Especial para julgamento sob o regime dos recursos repetitivos, sem pronunciamento definitivo a respeito do tema [5].

Recentemente, porém, o Supremo Tribunal Federal fixou a seguinte tese, com repercussão geral (Tema 1214): “É inconstitucional a incidência do imposto sobre transmissão causa mortis e doação (ITCMD) sobre o repasse aos beneficiários de valores e direitos relativos ao plano vida gerador de benefício livre (VGBL) ou ao plano gerador de benefício livre (PGBL) na hipótese de morte do titular do plano” [vide 1].

No julgamento, foram abordadas diversas questões, incluindo a natureza securitária dessas modalidades de previdência privada, o posicionamento jurisprudencial das Cortes Estaduais e do Superior Tribunal de Justiça.

4. Recuperação do tributário

Como consequência da inconstitucionalidade da cobrança desse tributo, surge o questionamento sobre a possibilidade de restituição do imposto de transmissão pago nessa hipótese. Antecipando os efeitos da decisão, o Estado do Rio de Janeiro opôs embargos de declaração – espécie de recurso – pleiteando a “modulação dos efeitos” do julgado. Em síntese, buscava-se restringir os efeitos da decisão apenas aos casos futuros, impedindo que contribuintes que já havia pago o tributo requeressem a restituição.

No julgamento desse recurso, em 5 de março de 2025, o Supremo Tribunal Federal afastou a modulação dos efeitos, permitindo que os contribuintes pleiteiem a repetição do indébito eventualmente recolhido, observando-se, contudo, o prazo de cinco anos (art. 168, inc. I, do CTN).

5. Conclusão

O julgamento do Supremo Tribunal Federal acerca da incidência do ITCMD sobre os planos de previdência privada VGBL e PGBL representou um marco significativo na jurisprudência. Ao considerar inconstitucional a cobrança desse imposto sobre valores e direitos transferidos aos beneficiários dessas modalidades, a Corte reafirmou a natureza securitária dos referidos planos, diferenciando-os do conceito de herança tributável. Diante do cenário narrado, poderá o contribuinte pleitear a repetição do indébito, a fim de que seja restituído pelos valores que foram indevidamente cobrados.

Bibliografia.

1 – Supremo Tribunal Federal (STF). RE 1.363.013/RJ, rel. Min. Dias Toffoli, Pleno, j. 16.12.2024. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6318604. Acesso em: 27 fev. 2025.

2 – SUSEP - Superintendência de Seguros Privados. PGBL & VGBL. Disponível em: https://www.gov.br/susep/pt-br/assuntos/meu-futuro-seguro/seguros-previdencia-e-capitalizacao/providencia-complementar-aberta/pgbl-vgbl#:~:text=O%20primeiro%20(VGBL)%20%C3%A9%20classificado,resgate%20ou%20recebimento%20da%20renda. Acesso em: 27 fev. 2025.

3 – Superior Tribunal de Justiça (STJ). AgInt no AREsp n.º 1.847.351/RS, rel. Min. Manoel Erhardt (Desembargador Convocado Do TRF5), Primeira Turma, j. 11.10.2021: “TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. MANDADO DE SEGURANÇA. VGBL. INCIDÊNCIA DE ITCMD. IMPOSSIBILIDADE. NATUREZA JURÍDICA DE SEGURO. REVISÃO. SÚMULA 7/STJ. ENTENDIMENTO EM CONFORMIDADE COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE SUPERIOR. SÚMULA 83/STJ. AGRAVO INTERNO DO ENTE ESTADUAL NÃO PROVIDO. 1. A alteração das conclusões da Corte de origem quanto à natureza jurídica do plano VGBL, demandaria, necessariamente, a incursão no acervo fático-probatório dos autos. Contudo, tal medida encontra óbice na Súmula 7 do STJ, segundo a qual a pretensão de simples reexame de prova não enseja Recurso Especial. 2. Consoante entendimento deste Superior Tribunal de Justiça, o plano de previdência privada denominado VGBL não pode ser caracterizado como herança, nos termos do art. 794 do Código Civil, razão pela qual incide, na hipótese, a Súmula 83/STJ. 3. Agravo interno do Estado do Rio Grande do Sul não provido”; REsp n.º 1.963.482/RS, rel. Min. Assusete Magalhães, Segunda Turma, j. 16.11.2021: “(…) VIII. Consoante esclarece a Superintendência de Seguros Privados - SUSEP, autarquia federal vinculada ao Ministério da Economia, responsável pelo controle e fiscalização dos mercados de seguro, previdência privada aberta, capitalização e resseguro, ‘o VGBL Individual - Vida Gerador de Benefício Livre é um seguro de vida individual que tem por objetivo pagar uma indenização, ao segurado, sob a forma de renda ou pagamento único, em função de sua sobrevivência ao período de diferimento contratado’. IX. Não é outro o entendimento da Quarta Turma deste Superior Tribunal de Justiça, para a qual o VGBL ‘tem natureza jurídica de contrato de seguro de vida’ (AgInt nos EDcl no AREsp 947.006/SP, Rel. Ministro LÁZARO GUIMARÃES (Desembargador Federal convocado do TRF/5ª Região), QUARTA TURMA, DJe de 21/05/2018). No julgamento do AgInt no AREsp 1.204.319/SP – no qual a Corte de origem concluíra pela natureza securitária do VGBL, não podendo ele ser incluído na partilha –, a Quarta Turma do STJ fez incidir a Súmula 83/STJ, afirmando que ‘o entendimento da Corte Estadual está em harmonia com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça a respeito do tema. Incidência da Súmula 83 do STJ’ (STJ, AgInt no AREsp 1.204.319/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, DJe de 20/04/2018). X. Embora tratando de questão tributária diversa, a Segunda Turma do STJ, no REsp 1.583.638/SC (Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe de 10/08/2021), já teve a oportunidade de assentar que o plano VGBL constitui espécie de seguro. Também tratando de questão diversa, a saber, a constitucionalidade da cobrança de alíquotas diferenciadas de CSLL para empresas de seguros, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 5.485/DF (Rel. Ministro LUIZ FUX, TRIBUNAL PLENO, DJe de 03/07/2020), já teve a oportunidade de afirmar, em obiter dictum, a natureza securitária do VGBL. XI. Assim, não apenas a jurisprudência reconhece a natureza de seguro do plano VGBL, mas também a própria agência reguladora do setor econômico classifica-o como espécie de seguro de vida. Resta evidente, pois, que os valores a serem recebidos pelo beneficiário, em decorrência da morte do segurado contratante de plano VGBL, não se consideram herança, para todos os efeitos de direito, como prevê o art. 794 do CC/2002. Nesse sentido: STJ, AgInt nos EDcl no REsp 1.618.680/MG, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, DJe de 11/09/2018; AgInt nos EDcl no AREsp 947.006/SP, Rel. Ministro LÁZARO GUIMARÃES (Desembargador Federal convocado do TRF/5ª Região), QUARTA TURMA, DJe de 21/05/2018. XII. Reforça tal compreensão o disposto no art. 79 da Lei 11.196/2005, segundo o qual, no caso de morte do segurado, ‘os seus beneficiários poderão optar pelo resgate das quotas ou pelo recebimento de benefício de caráter continuado previsto em contrato, independentemente da abertura de inventário ou procedimento semelhante’. XIII. Não integrando a herança, isto é, não se tratando de transmissão causa mortis, está o VGBL excluído da base de cálculo do ITCMD. Nessa linha, a Resposta à Consulta Tributária 5.678/2015, em que o Fisco paulista conclui pela não incidência do ITCMD, na espécie. XIV. Registre-se que, em precedentes recentes, a Terceira Turma do STJ tem reconhecido a natureza de ‘investimento’ dos valores aportados ao plano VGBL, durante o período de diferimento, assim entendido ‘o período compreendido entre a data de início de vigência da cobertura por sobrevivência e a data contratualmente prevista para início do pagamento do capital segurado’ (art. 5º, XXI, da Resolução 140/2005, do Conselho Nacional de Seguros Privados), de modo que seria possível a sua inclusão na partilha, por ocasião da dissolução do vínculo conjugal. Reconhece, ainda, que ‘a natureza securitária e previdenciária complementar desses contratos é marcante, no momento em que o investidor passa a receber, a partir de determinada data futura e em prestações periódicas, os valores que acumular ao longo da vida’. Nesse sentido: STJ, REsp 1.880.056/SE, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, DJe de 22/03/2021; REsp 1.698.774/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, DJe de 09/09/2020. XV. O aludido entendimento, contudo, não parece contradizer a tese ora esposada. Primeiro, porque ali estava em questão, não o art. 794, mas o art. 1.659, VII, do CC/2002, que dispõe sobre os bens excluídos do regime da comunhão parcial de bens. Em segundo lugar, porque, com a morte do segurado, sobreleva o caráter securitário do plano VGBL, sobretudo com a prevalência da estipulação em favor do terceiro beneficiário, como deixa expresso o art. 79 da Lei 11.196/2005. XVI. Não se descarta a hipótese em que o segurado pratique atos ou negócios jurídicos com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do ITCMD. Nesse caso, incumbe à Administração tributária comprovar a situação e efetuar o lançamento tributário, nos termos do parágrafo único do art. 116 do CTN. Isto, porém, não foi o que ocorreu, na espécie, não tendo o Estado agitado qualquer alegação nesse sentido. XVII. Recurso Especial conhecido e improvido”.

 

4 – Superior Tribunal de Justiça (STJ). REsp 1.880.056/SE, rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. 16.03.2021: “(…) 5- Embora, de acordo com a SUSEP, o PGBL seja um plano de previdência complementar aberta com cobertura por sobrevivência e o VGBL seja um plano de seguro de pessoa com cobertura por e sobrevivência, a natureza securitária e previdenciária complementar desses contratos é marcante no momento em que o investidor passa a receber, a partir de determinada data futura e em prestações periódicas, os valores que acumulou ao longo da vida, como forma de complementação do valor recebido da previdência pública e com o propósito de manter um determinado padrão de vida. 6- Todavia, no período que antecede a percepção dos valores, ou seja, durante as contribuições e formação do patrimônio, com múltiplas possibilidades de depósitos, de aportes diferenciados e de retiradas, inclusive antecipadas, a natureza preponderante do contrato de previdência complementar aberta é de investimento, razão pela qual o valor existente em plano de previdência complementar aberta, antes de sua conversão em renda e pensionamento ao titular, possui natureza de aplicação e investimento, devendo ser objeto de partilha por ocasião da dissolução do vínculo conjugal por não estar abrangido pela regra do art. 1.659, VII, do CC/2002”; AgInt no AREsp n.º 921.715/SP, rel. Min. Raul Araújo, Quarta Turma, j. 26.10.2020: “AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO ORDINÁRIA. DIREITO SUCESSÓRIO. CONTRATO DE PREVIDÊNCIA PRIVADA. VGBL. NATUREZA DE APLICAÇÃO FINANCEIRA. SUJEIÇÃO À PARTILHA. NATUREZA SECURITÁRIA NÃO IDENTIFICADA NO CASO. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS 5 E 7 DO STJ. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. Na hipótese, o Tribunal de origem, após a análise do contrato de VGBL firmado pelo de cujus, e dos elementos fático-probatórios dos autos, concluiu que o plano de previdência privada firmado pelo falecido não possui natureza securitária, mas de verdadeira aplicação financeira, podendo ser incluído na partilha. A modificação de tal entendimento é inviável no âmbito estreito do recurso especial, a teor do disposto nas Súmulas 5 e 7 do STJ. 2. Agravo interno a que se nega provimento”. Cabe alertar que havia um posicionamento favorável à não incidência do ITCMD sobre os planos de previdência (AgInt nos EDcl no AREsp n.º 947.006/SP, rel. Min. Lázaro Guimarães, Quarta Turma, j. 21.05.2018): “AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. INVENTÁRIO. VALORES DEPOSITADOS EM PLANO DE PREVIDÊNCIA PRIVADA (VGBL). DISPENSA DE COLAÇÃO. NATUREZA DE SEGURO DE VIDA. DECISÃO MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. 1. O Tribunal de origem, ao concluir que o Plano de Previdência Privada (VGBL), mantido pela falecida, tem natureza jurídica de contrato de seguro de vida e não pode ser enquadrado como herança, inexistindo motivo para determinar a colação dos valores recebidos, decidiu em conformidade com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça. 2. Nesse sentido: REsp 1.132.925/SP, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe de 06/11/2013; REsp 803.299/PR, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Rel. p/ acórdão Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe de 03/04/2014; EDcl no REsp 1.618.680/MG, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, DJe de 1º/08/2017. 3. Inexistindo no acórdão recorrido qualquer descrição fática indicativa de fraude ou nulidade do negócio jurídico por má-fé dos sujeitos envolvidos, conclusão diversa demandaria, necessariamente, incursão na seara fático-probatória dos autos, providência vedada no recurso especial, a teor do disposto na Súmula 7/STJ. 4. Agravo interno não provido”.

 

5 – Valor Econômico. STJ: Corte Especial definirá se VGBL precisa entrar no inventário. Disponível em: https://valor.globo.com/legislacao/valor-juridico/coluna/stj-corte-especial-definira-se-vgbl-precisa-entrar-no-inventario.ghtml. Acesso em: 28 fev. 2025.

6 – Supremo Tribunal Federal (STF). RE 1.363.013/RJ, rel. Min. Dias Toffoli, Pleno, j. 16.12.2024. Op. Cit.

© 2025 por Marcus Andrade Sociedade de Advogados.

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