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Planos de saúde de baixo custo: análise crítica da nova proposta da ANS

1. Introdução

Em 17 de fevereiro de 2025, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) abriu consulta pública para avaliar a criação de uma nova modalidade de plano de saúde, com mensalidades de até R$100,00 (cem reais), destinado a ampliar o acesso da população à saúde suplementar. Com estrutura e extensão de cobertura diferenciadas em relação aos planos de saúde tradicionais, não incluem, dentre outros serviços, atendimentos médicos e hospitalares de urgência e emergenciais, além de condicionarem os beneficiários a um sistema obrigatório de coparticipação para realização de consultas eletivas e outros procedimentos.

Embora o baixo custo aparente seja um fator atrativo para novos consumidores, a estrutura dessa modalidade de plano levanta sérias questões sobre a viabilidade financeira a longo prazo para o beneficiário e a legalidade da exclusão de serviços essenciais. É de se observar com cautela se essa nova modalidade poderia ser criada administrativamente pela ANS sem contrariar as determinações da Lei dos Planos de Saúde (Lei n.º 9.656/1998), que estabelece coberturas obrigatórias para os planos de assistência médica.

Com base nas matérias jornalísticas veiculadas pela Folha de São Paulo [1] e pelo portal eletrônico da CNN Brasil [2] – cujos links estão indicados após a conclusão – o presente comentário busca analisar, de forma preliminar e não exauriente, os impactos dessa nova modalidade de plano de saúde, demonstrando que, apesar do preço reduzido de suas mensalidades, pode vir a se tornar demasiadamente oneroso para o consumidor final, tanto em seu aspecto financeiro, como no de cobertura assistencial.

2. Estrutura da nova modalidade de plano

De acordo com a agência reguladora, a justificativa para essa proposta é ampliar o acesso à saúde suplementar, permitindo que um número maior de brasileiros tenha acesso a algum tipo de assistência médica privada, tendo em vista que somente 25% (vinte e cinco por cento) da população está inserida nesse tipo de prestação de serviços [3]. Essa nova iniciativa, no entanto, deve ser analisada com cautela, na medida em que pode resultar em uma falsa sensação de segurança aos consumidores, especialmente aqueles que não se atentarem as limitações impostas até efetivamente precisarem de atendimento. As suas principais diferenças em relação aos planos tradicionais incluem:

Ausência de cobertura para atendimentos de urgência e emergência 

 

Diferentemente dos planos convencionais, essa modalidade não cobre atendimentos em pronto-socorro, deixando o consumidor sem assistência em casos de acidentes, complicações súbitas de saúde ou outras situações que demandam intervenção médica imediata.

Coparticipação em consultas e procedimentos

 

Os beneficiários pagam uma espécie de “taxa” a cada consulta, exame ou procedimento realizado, o que pode tornar os custos imprevisíveis e elevados, caso o paciente necessite de atendimento frequente.

Cobertura restrita

 

A cobertura desse tipo de plano inclui apenas atendimentos ambulatoriais básicos, excluindo internações de emergência e tratamentos médicos de maior complexidade.

3. Análise crítica da proposta

3.1. Impacto financeiro para o beneficiário

A promessa de uma mensalidade acessível pode mascarar os custos elevados para os consumidores no longo prazo. Isso ocorre porque, ao excluir atendimentos de emergência e impor a coparticipação para consultas e exames, esse modelo transfere para o beneficiário parte dos custos que, nos planos tradicionais, já estariam incluídos na mensalidade, ainda que na modalidade de coparticipação.

Tome-se como exemplo a hipótese em que o beneficiário precise ser submetido a atendimento emergencial. Sem contar com o seguro para cobri-lo, suas opções serão recorrer ao sistema de saúde pública (SUS) ou pagar, integralmente, por um serviço particular, o que pode representar um gasto substancial inesperado. É de se observar, igualmente, as despesas de coparticipação. Apesar da limitação imposta pela proposta ao limite de 30% (trinta por cento) do custo do serviço, o uso frequente do plano para consultas e exames pode torná-lo, por vezes, superior ao custo da mensalidade de um plano de saúde tradicional.

Como resultado, os beneficiários não poderão estimar, efetivamente, o quanto será pago pelo plano de saúde, tendo em vista a variação de valores pelo uso. Diversamente dos planos convencionais, onde o consumidor paga uma mensalidade fixa para uma cobertura abrangente.

Assim, embora, em um primeiro momento, a proposta da agência reguladora aparente tratar de uma solução ao problema estrutural do acesso à saúde no Brasil, por meio da oferta de uma opção de saúde suplementar mais acessível à população geral, esse modelo de negócio – ou melhor, de plano de saúde – deve ser analisado com certo cuidado, especialmente, porque, ao final das contas, pode acabar sendo mais caro para os consumidores que precisem de cuidados médicos regulares.

3.2. Conformidade legal da proposta

Sem a pretensão de esgotar a matéria, dentre as coberturas mínimas previstas na Lei dos Planos de Saúde [4] está o “plano-referência” [5], disciplinado pelo artigo 10, que garante a cobertura de consultas, exames e tratamentos necessários ao diagnóstico e à recuperação do paciente, de modo que nenhum plano pode limitar a realização de exames essenciais para diagnóstico e acompanhamento de doenças. Há, também, a obrigatoriedade do atendimento de emergência e urgência, previsto no artigo 35-C, que estabelece que todo plano de saúde deve cobrir atendimentos, que impliquem risco imediato à vida ou lesões irreparáveis, além de complicações no processo gestacional.

Dessa forma, a exclusão de atendimentos compreendidos como básicos, além dos emergenciais, ao que tudo indica, colide diretamente com as disposições legais vigentes. Embora a agência governamental tenha autonomia para regulamentar o setor, a aparente contradição com as disposições normativas acima tende a gerar debates aprofundados sobre o tema, levantando questionamentos sobre a legalidade da iniciativa e sobre o potencial de judicialização do tema por consumidores que se sintam lesados.

Caso essa modalidade de plano seja, ao final do período de experimentação de 2 (dois) anos indicados na proposta, implementada, os impactos podem ser significativos para o setor, possivelmente agravando a já notável sobrecarga do Sistema Único de Saúde (SUS) [6], pois, com a exclusão de atendimentos emergenciais, muitos beneficiários desses planos se socorrerão do sistema público em momentos de urgência.

4. Considerações finais

À primeira vista, a nova modalidade de plano pode parecer uma alternativa interessante para se ampliar o acesso à saúde suplementar. No entanto, um estudo mais detalhado sobre o tema mostra-se fundamental para avaliar se esses planos podem se tornar financeiramente inviáveis para os consumidores.

 

A exclusão de atendimentos emergenciais e a imposição de coparticipação para consultas e exames transferem custos significativos para os beneficiários, tornando o plano potencialmente mais caro a longo prazo. Não menos importante são as considerações a respeito de sua legalidade diante da legislação vigente e possíveis reflexos negativos no sistema público de saúde.

 

Portanto, antes de aderir a tais planos, é fundamental que os consumidores compreendam todas as limitações envolvidas. O baixo custo da mensalidade não deve ser o único critério para a escolha de um plano de saúde, pois, na prática, o que parece barato pode acabar custando muito mais.

Bibliografia

[1] Folha de São Paulo. ANS propõe plano de até R$ 100 sem pronto-socorro; entenda. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2025/02/ans-propoe-plano-de-ate-r-100-sem-pronto-socorro-entenda.shtml. Acesso em: 20 fev. 2025.

[2] CNN Brasil. Como deve ser a proposta da ANS de plano de saúde de até R$ 100. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/economia/financas/como-deve-ser-proposta-de-plano-de-saude-de-ate-r-100/#:~:text=Uma%20proposta%20de%20um%20tipo,consultas%20estritamente%20eletivas%20e%20exames. Acesso em: 20 fev. 2025.

[3] Folha de São Paulo. Não há vontade política para integração da saúde pública e privada, diz presidente da ANS. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2024/10/nao-ha-vontade-politica-para-integracao-da-saude-publica-e-privada-diz-presidente-da-ans.shtml. Acesso em: 20 fev. 2025.

[4] BRASIL. Lei n.º 9.656, de 3 de junho de 1998 (Lei dos Planos de Saúde). Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9656.htm. Acesso em: 20 fev. 2025.

[5] PEREIRA, Daniel de Macedo Alves. Planos de saúde e a tutela judicial de direitos. 5. ed. São Paulo: Editora JusPodivm, 2024. p. 228/229.

[6] Folha de São Paulo. Podcast discute crise dos planos de saúde e sobrecarga do SUS.  Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/podcasts/2023/06/podcast-discute-crise-dos-planos-de-saude-e-sobrecarga-do-sus.shtml. Acesso em: 21 fev. 2025.

© 2025 por Marcus Andrade Sociedade de Advogados.

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